Santa Muerte enfrenta o fundamentalismo brasileiro
O tempo passou e eu nem vi. Seis anos de Ninguém Nasce Herói. Com quatro anos de governo fascista e cerca de três de pandemia aí no meio. Pra quem mando essa fatura? A quem pedimos restituição do tempo que a face distópica do mundo toma de nós?
Em breve conseguirei a façanha de estar com todos os meus livros fora de catálogo: Neon Azul (2010), A Sombra no Sol (2012), Exorcismos, Amores e Uma Dose de Blues (2014) e Ninguém Nasce Herói (2017). Em parte por minha própria causa, já que não quero reeditar os livros antigos antes de publicar algo novo. Questão de controle, diria meu psicanalista. Em parte por conta do mercado literário mesmo. Ainda bem que os livros existem também fora das prateleiras e dos carrinhos virtuais.
No mês que hoje se encerra, a turma de uma escola do estado de São Paulo, a Escola Estadual Vereador Euclides Miranda, trabalhou o Ninguém Nasce Herói em sala de aula como parte de um projeto maior: o Festival Cultural e Literário Vereador Euclides Miranda, criado para “incentivar o protagonismo juvenil e a leitura como forma de se ver e se posicionar no mundo”. Foram 10 livros trabalhados ao todo, de O diário de Anne Frank a O ódio que você semeia, da Angie Thomas. De O sol é para todos, da Harper Lee ao meu Ninguém nasce herói.
Fiquei duplamente feliz. Primeiro por ver meu livro sendo usado em sala de aula, se desdobrando em posts, jogos, caça palavras, mural pintado, desfile, apresentação teatral. Segundo por saber que a escola tem um festival literário dessa magnitude. Um lembrete de que o poder das histórias vai muito além de quem a cria e de que a batalha é sempre por quem vem depois de nós.
Literatura é diálogo, é movimentação, é enfrentamento.
IA nenhuma entenderia isso.
Fica aqui registrado para a posteridade meu agradecimento pelo tempo e carinho que a turma 2C dedicou ao Ninguém Nasce Herói.
Para adquirir o livro:
AMAZON / SUBMARINO / MARTINS FONTES / MAGALU
NORCO e roteiro para games
Desenvolvido pela Geography of Robots e publicado pela Raw Fury, Norco é um jogo jogo indie que borra a fronteira entre games e literatura. Depois de terminá-lo (peguei o pior final possível, yey!) fiquei com vontade de inclui-lo na minha lista de melhores leituras do ano. Passado nos pântanos do sul de Louisiana, ele mistura a atmosfera southern gothic com toques de futurismo limiar entre o que temos vivenciado atualmente e o que ainda podemos considerar futuro. Um futuro tão próximo que talvez venha depois de amanhã, mas ainda assim futuro.
A trama é movida por dois mistérios. Ao voltar para casa depois de muitos anos por conta da morte da mãe, Kay descobre que o irmão, Blake, está desaparecido. Investigar o sumiço de Blake, leva Kay a desvendar mistérios sobre o passado da mãe e todas as estranhezas que habitam os pântanos da região.
Ancorada numa estrutura de point and click (adoro), a história une debates sobre inteligência artificial e robôs, fanatismo fascistinha de incels e ação destrutiva de grandes corporações sobre o meio ambiente, tudo ambientado de maneira lynchiana (vai ficando muito louco). E o bom dessa união é mostrar que sim, tudo isso anda meio que misturado e são tentáculos diferentes do mesmo kraken que nos consome. Bom ver um estúdio com liberdade e coragem de bancar uma trama assim. É terrível ver a quantidade de jogos que estão aí só para reforçar o status quo e ordenhar a vaca de um público mimado.
Um raro caso em que narrativa, game design, sound design e arte funcionam com coesão e são todos igualmente essenciais para a experiência, Norco é um parente mais humilde de Disco Elysium e o tipo de livro-jogo que eu gostaria de escrever. A meu ver, um nicho com grande potencial para o Brasil. É uma pena que por aqui escrever roteiros e criar histórias ainda seja considerado um elo menor do ecossistema criativo, algo que “qualquer um consegue fazer”. Vejo isso acontecer também com quadrinhos, de certa maneira. Artes belíssimas, histórias sem estrutura, que avançam no improviso. Perdemos todos com esse pensamento.
Rodada rápida
Saiu o segundo número da revista Suprassuma, a revista de ficção especulativa da editora SUMA, colaborativa e gratuita. O tema dessa edição é Fobias e traz contos de Carol Chiovatto e Lucas Santana, entre outros.
Diana Passy enviou a 1ª edição da sua newsletter sobre mercado literário onde ela responde dúvidas enviadas pelos leitores. A primeira foi sobre marketing para livros.
Falando em Lucas, muito bom seu texto sobre antropoceno e cidades que resistem lá no
.Se você perdeu a estreia do podcast da Encruza Criativa, não deixe de ouvir meu papo com a Aline Valek, o primeiro passo na investigação de assombrações e horror social nas narrativas brasileiras. Todos os links estão aqui. No próximo episódio o convidado é…
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Um abraço,
até a próxima
e a gente se lê.
Eu li NNH durante a pandemia e me assustei ao ver que ele havia sido escrito antes do governo fascista. Profético e uma verdadeira porrada (mas com um restinho de esperança no fundo).
Já EADB é uma delícia do início ao fim. Tá na minha lista ler os outros dois! ^^
Seis anos de um livro profético e que continua sendo um salva-vidas em tempos distópicos. Vida longa a NNH! Já estou doida pra ouvir a próxima entrevista do seu podcast! ❤️