Sucesso na literatura é o quê?
Uma edição sobre critérios pessoais de sucesso e eternas comparações
“Você é um tremendo sortudo por gostar de coisas que são populares”
- David Lynch para Steven Spielberg.
Por conta da Bienal do Livro de São Paulo, creio eu, me vi pensando nos meus critérios de sucesso como autor. Será que eles mudaram do início da minha carreira para cá? O fato de estar há sete anos sem uma nova publicação me deixou a uma distância saudável de tudo isso, mas às vezes, pelo mesmo motivo, sinto uma pressão extra em voltar, em “entregar conteúdo” (para citar o termo cármico das redes sociais), o que me leva a refletir a respeito do que quero para o futuro. Qual meu próximo objetivo? O que pretendo conseguir voltando a publicar?
Para a escrita dessa newsletter, deixei as asinhas do ego livres, sem edição mental para soar bonito, sem pensamento prático podando a imaginação, e cheguei a 5 coisas que seriam símbolo de sucesso para mim. Segura a lista:
Virar estátua: Medusa que não me ouça, mas acharia incrível ser uma estátua lá na zona portuária do Rio de Janeiro, perto do Museu do Amanhã, uma das minhas áreas favoritas da cidade. Tenho muitas boas lembranças criadas no centro antigo do Rio de Janeiro. Os arredores da Baía da Guanabara - que tocam o centro, a zona sul e a zona norte - me encantam de maneira especial. Tenho escrito bastante histórias passadas da região. Daí que eu adoraria ser uma estátua de frente pra Baía da Guanabara, amigo de outras estátuas espalhadas pela cidade,
cagadovisitado ocasionalmente por pombos, com notícias de que mais uma vez roubaram meus cachinhos.Virar enredo de escola de samba: A literatura fez bonito no desfile de 2024. Portela e Grande Rio reafirmaram que a literatura é pop. Então me peguei pensando num desfile inspirado em literatura de fantasia e horror. Uma ala vestida como o lobisomem ou o gato de fumaça de “Exorcismos, Amores e Uma Dose de Blues”. Um carro alegórico simulando o bar fantasmagórico do “Neon Azul”. A destaque do carro alegórico usando uma fantasia inspirada na minha mistura de Santa Muerte e La Catrina, como fez o grupo de resistência de “Ninguém Nasce Herói”. Se existe honraria maior do que essa, desconheço.
Sumir: É, fazer o Thomas Pynchon ou o Dalton Trevisan, versão gay. Quando adolescente cultivava o desejo de me aposentar e ir morar em Rio das Ostras, uma cidade que me trouxe muita coisa boa da barriga da minha mãe até os vinte anos de idade. Rio das Ostras fica na região dos lagos do Rio de Janeiro, é repleta de praias lindas, ainda pequena, razoavelmente segura, com áreas de conservação e parques naturais. Me faz lembrar principalmente dos meus avós maternos. Ser o eremita que sai para caminhar na praia durante o dia, passa na mesma barraca de fruta todo santo dia na volta, e escreve durante a tarde e a noite não seria nada mal.
Criar um personagem icônico de horror: Esse me pega demais. Uma grande marca dos filmes de horror é criar personagens que perduram no imaginário coletivo. Num estalo e temos Freddy Krueger de “A hora do pesadelo”, Pinhead (o Clive Barker detesta esse nome) de “Hellraiser”, Valac, demônio de “A Freira” (que tem um roteiro de centavos, eu sei, mas acho o bicho lindo). Poder somar a essa galeria de vilões sobrenaturais teria gosto de sucesso para mim. O que, curiosamente, alimenta ainda mais o meu desejo de escrever quadrinhos. Acho que dá para chamar esse tópico também de “contribuir com o imaginário da ficção de horror”. Daí aliar palavra e imagem.
Dar o próximo passo: Fiquei dividido no que colocar aqui. Pensei em “ganhar um joinha de alguém que eu admiro”, ou “conseguir contribuir para a lenda dos lugares sobre os quais escrevo”, e por aí vai, mas decidi que valia a pena recuar do macro pro micro e escolhi isso “de dar o próximo passo”. Terminar de escrever algo que o mercado considere um material publicável em termos de quantidade e qualidade, colocar na mão de agente e editores e percorrer todo o caminho da edição, de escolher a capa, de ver o livro de perto, conversar com os leitores, falar sobre histórias, fantasia, horror… A proposta era ser honesto, então fui honesto. Bora lá. A gente não pode perder de vista o sucesso que existe em cada pequena etapa dos nossos processos pessoais. Mesmo que a gente arranque os cabelos de vez em quando.
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Engraçado. Terminando a lista percebi que “ganhar prêmios literários” foi algo que não me veio à cabeça naturalmente. Por dois motivos, imagino: 1. Prêmios que abrangem literatura de gênero no Brasil ainda são recentes, então ainda não deu para o desejo criar raízes em mim. E 2. Penso em prêmios muito como uma questão de currículo. Valorizo prêmios mais nesse sentido. Mas esse deslumbre de “uau, ganhei um prêmio” é algo que, pelo menos neste exato instante, não dá aquela cosquinha gostosa no meu ego. Claro que se estivermos pensando em um prêmio que dê uma montanha de dinheiro eu faço um adendo aqui rapidinho no contrato. Tranquilidade para pagar as contas nesse mundo caótico sempre será bem-vinda.
Ubik
Ubik, meu livro favorito de Philip K. Dick é um romance futurista com geladeiras que só abrem quando depositamos dinheiro nelas. Uma previsão que bateu na trave, considerando que estamos perto de ver propaganda em tudo, até na porta do micro-ondas. Ubik também traz pessoas com telepatia e precognição, colônias em marte e outros parangolés especulativos. É uma ficção da época em que foguetes eram novidade. Mas o “uau” de Ubik para mim é um fenômeno que faz a realidade se desfragmentar e o tempo recuar de quando em quando. A cada onda de desfragmentação, o mundo muda em volta do protagonista.
Para evitar que o mundo vá para o buraco de vez, o protagonista precisa achar “Ubik”, essa solução mágica, essa resposta intangível, sem aspecto definido. O único porém é que cada vez que ele chega perto do Ubik, uma nova onda afeta o mundo e Ubik passa a ser outra coisa completamente diferente, e aí o protagonista precisa redescobrir o que é Ubik para então correr atrás… que nem sucesso.
Porra, Ubik.
Sucesso = validação alheia?
Terminei recentemente de ler “Tese sobre uma domesticação”, da Camila Sosa Villada. Fácil uma das minhas melhores leituras de 2024. Entre outros assuntos, ela discute a questão do que seria alcançar o sucesso numa sociedade normativa que exclui determinados tipos de pessoa. Alcançar o sucesso seria necessariamente um sinônimo de se deixar ser domesticado? E ainda: possuímos controle real sobre isso? Como negociar conosco esse jogo de que parte de nós deixamos para trás ao corremos atrás desses eventos simbólicos do sucesso? Como diz o título, é um livro que oferece perguntas, não uma resposta. Mas acho que cabe bem nesse texto. O pequeno Eric, garoto queer nos seus doze anos de idade que segue vivo aqui em algum lugar, pensa muito nessa questão da domesticação. Provavelmente mais do que deveria.
Pra fechar, David Lynch
Quando Twin Peaks, o novelão original lá de 1990, foi indicado a uma pá de prêmios e os atores da série ficaram saltitantes com as possibilidades, David Lynch mandou logo a real pra galera: “não vamos ganhar”. Porque não fazia sentido uma série como Twin Peaks receber esse tipo de validação. Twin Peaks era ruptura. Receber um monte de Emmys seria uma “desvalidação” para ambos os lados. O underdog é festejado, mas gostam que ele continue chegando em segundo lugar. Ainda assim, lembro de ver David Lynch choroso ao receber seu Oscar honorário em 2019, finalmente reconhecido por seus pares.
Recentemente descobri a citação que abre essa edição da ENCRUZA: “Você é um tremendo sortudo por gostar de coisas que são populares”.
Uma frase que diz muito com pouco. Lynch sempre foi a favor de se manter fiel às ideias e ver para onde elas levam. Raramente abriu mão disso, independente da recepção do público. Mas isso não o impediu de se emocionar com o reconhecimento e a celebração da sua obra.
Somos criaturinhas complexas por baixo de nossas personas sociais. E nessa maré sacolejante me arrisco a dizer uma coisa: Noções de sucesso, e mesmo metas palpáveis, devem servir pra nos levar para frente, para nos lembrar de sonhar e planejar o caminho na direção desses sonhos, nunca como artifício de autoflagelação. Inventar um significado de sucesso só para se ver como fracassado e se sentir mal com isso é uma armadilha sempre à espera de um pé desavisado. Preserve seus pés.
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Um abraço e até a próxima,
Eric Novello
Eu me lembro quando, há vinte anos, sucesso para gente seria publicar um livro, por qualquer editora... Puxo minha própria orelha quando me vejo lamentando, sendo que eu JÁ cheguei muito longe. Ótima edição, Eric. Penso que eu também seria uma ótima estátua, e se algum dia usarem algum livro meu no Enem vou ficar bastante feliz.
Agora parei pra refletir em outro ponto do texto. Você comentou sobre a pressão de entregar conteúdo, sei que você estava se referindo aos textos literários, mas você tem entregado conteúdo com regularidade nos últimos meses. Não sei se você tem noção do quanto suas newsletters ajudam e inspiram muita gente. Sei que isso não ajuda a diminuir a pressão para lançar um livro novo, mas obrigado por compartilhar esses textos com a gente ^^